direito trabalhista

Os tempos de pandemia que estamos enfrentando têm trazido impactos no mundo do trabalho – quiçá, depois da Saúde, seja este o mais prejudicado. Uma crise econômica que se alastra, redução de consumo e instabilidades político-institucionais têm obrigado pequenos e médios empresários a encerrar atividades, acumular dívidas e demitir funcionários. De outro lado, muitos trabalhadores estão sendo arrastados para o desemprego ou nos subempregos precarizados. Ao fim e ao cabo, todos são afetados e diversas medidas tem sido implementadas por governos para tentar balizar os impactos da pandemia. Aqui, mostramos como o direito trabalhista pode auxiliar essas relações.

No Brasil, para além das medidas locais implementadas em Estados e municípios, o governo federal lançou mão recentemente da MP 936/20. Essa medida provisória foi publicada em 1º de abril, criando o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Dentre suas principais inovações está um novo benefício, de existência temporária, o “BEm”, Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda.

Importante destacar que o benefício não se confunde com o auxílio emergencial. Também não se confunde com o seguro-desemprego, embora utilize este como base de cálculo. Para acesso ao benefício, não é necessária nenhuma carência , bastando a comprovação de vínculo empregatício e da formalização de um dos acordos individuais permitidos pela MP 936.

É possível receber mais de um BEm ao mesmo tempo, desde que comprove ter mais de um vínculo formal de emprego. O benefício é bem descrito e explicitado no site da Caixa Econômica Federal, que é uma fonte de consulta indispensável para quem tenha dúvidas.

Uma das intenções da MP é expandir ao empregador um leque de opções a serem tomadas quanto aos contratos de trabalho ativos. A Agência Senado informa que “o objetivo é a manutenção de 24,5 milhões de empregos em meio à crise da pandemia do novo coronavírus[1].

Evitando Demissões

Senadores e deputados que advogam pela aprovação da Medida têm a classificado como “MP que previne [ou evita] demissões”. Contudo, há críticas da imprensa especializada e da sociedade civil engajada na defesa dos direitos do trabalhador.

Porém, fato é que a MP é uma realidade presente, devendo ser enfrentada pelos empregados que se sentirem lesados ou onerados. Assim também, a MP deve ser aplicada pelos empregadores de forma responsável e evitando se exceder aos limites do próprio diploma normativo.

Os acordos individuais da MP

A MP autoriza empregadores pactuarem acordo para suspensão do contrato de trabalho com empregados, ou implementarem sistema de redução proporcional de salários e jornada.

Como se sabe, os acordos individuais trabalhistas ganharam uma maior proeminência desde a Lei nº 13.467, de 2017, conhecida como “Reforma Trabalhista”; a MP veio dar atenção a essa nova forma de disciplinar as relações de trabalho, que não se confunde com a rescisão do contrato de trabalho.

Nas duas hipóteses, os direitos trabalhistas ficam assegurados, bem como há estabilidade empregatícia por igual período após o acordo (chamada garantia provisória no emprego). Isto é, o empregador não pode demitir o trabalhador logo que voltar da suspensão ou do período de redução. Igualmente, o benefício BEm é devido, nas proporções em que couber.

Deixamos em destaque: o benefício é devido pelo governo a todo aquele que tiver seu salário reduzido ou o contrato de trabalho suspenso; se ele será pago, aí é outra questão, mais pragmática, e o governo pode ser responsabilizado por eventuais calotes[2].

O Impacto dos Acordos Individuais

Uma crítica constante à MP é de que haveria perigo de incentivo a acordos individuais, esvaziando a força dos acordos coletivos; isso, então, enfraqueceria a relevância dos sindicatos (patronais e de empregados) na pactuação de relações trabalhistas.

De toda forma, a jurisprudência e as demais leis trabalhistas dão azo à proeminência dos acordos coletivos, que podem, inclusive, invalidar eventuais acordos individuais pactuados. Por isso, não se indica descartar a atuação dos sindicatos, junto à formalização de contratos individuais com o trabalhador. Isso pode garantir uma maior legitimidade ao acordo e neutralizar futuros questionamentos judiciais de forma eficaz.

É sempre recomendável, não apenas aos empregados, especialmente ao empregador, buscar a assistência do sindicato de sua categoria. Isso pode inclusive fornecer mais segurança jurídica e estabilidade econômica nesse momento de crise, pela expertise dessas entidades em lidar com o mundo do trabalho.

Quando a Demissão é possível?

Para as rescisões do contrato de trabalho ‘à maneira tradicional’, continuam válidas as regras de sempre da CLT – com eventuais reformas da Lei nº 13.467. Isto é dizer que: a pandemia por si só não autoriza o empregador a rescindir contratos. Caso haja necessidade de demitir, por falta de recursos financeiros, recuperação judicial, ou falência, são situações que serão analisadas caso a caso.

Com isso, em eventuais processos trabalhistas, sempre a critério de prova, deverá demonstrar as dificuldades financeiras ao Juiz e o nexo causal com a crise. Até agora, não existe linha ou tese jurisprudencial em evidência que permita as rescisões imotivadas do contrato de trabalho “por força maior” ou “caso fortuito”; tendo como base a situação de calamidade pública atual.

No mais, reforça-se: as usuais situações de justa causa ou demissão sem justa causa previstas na lei não sofrem alterações, sendo permitidas nas hipóteses de sempre. Adicionando que há sempre um risco em demitir o trabalhador nesse período de pandemia, sendo talvez mais delicado constituir prova ou contraprova em ação judicial, tendo em vista que o salário é considerado verba alimentar.

O acordo de suspensão do contrato de trabalho

Aos empregadores e empregados que firmarem acordos conforme dispõe a MP, poderá ser assegurada a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias. Nesse caso, a estabilidade empregatícia vigorará por até dois meses após o fim do acordo. Importante destacar que o governo estuda editar um decreto para ampliar para até 120 dias essa suspensão.

No período de suspensão, o empregado não pode trabalhar, nem mesmo na modalidade home office. Se houver flagrante desta situação, descaracteriza-se a suspensão; o empregado perde o direito ao benefício do BEm, e o empregador deve imediatamente recompor o salário e demais encargos normalmente.

Se for respeitada a suspensão, o empregador que se enquadra no Simples Nacional não terá que arcar com nenhum salário ou verba salarial nesse período. Neste caso, 100% desses encargos será pago pelo governo na forma do BEm; já às empresas que excedem o limite do Simples, os empregadores deverão arcar com 30% do salário (e, da mesma forma, o governo com os outros 70%). Em qualquer hipótese, os demais direitos trabalhistas e benefícios (bem como a estabilidade) ficam garantidos (e.g., plano de saúde).

O acordo de redução de salários e jornada

Caso não optem pela suspensão do contrato, a MP também autoriza empregador e empregado a pactuarem diretamente a redução salarial pelo máximo de três meses. Essa hipótese, quando fora do contexto da MP, continua sendo vedado pelo artigo 7º, VI, da Constituição Federal, e por convenções supranacionais da OIT.

Com isso, o contrato de trabalho é mantido ativo (não suspenso), mas obrigatoriamente reduz-se a jornada de trabalho proporcionalmente à redução de salário. Fica, assim, autorizada a redução de 25, 50 ou 70% do salário; na proporção que for reduzida, o governo suplementará com o pagamento do BEm.

Importante destacar que, se houver a redução de salário, a redução de jornada de trabalho deve ser respeitada também. Eventual desrespeito poria em risco a legitimidade do acordo, que poderá ser descaracterizado por decisão judicial em eventual reclamação trabalhista. Isto é dizer que o empregador deve tomar cuidado para não manter só os salários reduzidos, mas obrigar o trabalhador a cumprir jornada normal, ou acima da jornada reduzida.

Ajuda Compensatória e suas Vantagens

Uma inovação que pode soar interessante para efeitos de redução de custos ao empregador é a possibilidade de pagamento de uma ajuda compensatória mensal ao empregado. Isto é, tanto na suspensão, quanto na hipótese de redução de salários e jornada, o empregador pode, por liberalidade, complementar com essa ajuda de custo ao empregado.

A ajuda não se confunde com o salário (muito menos o substitui). A vantagem dessa forma de remuneração é que sobre ela não incidem os mesmos encargos que sobre o salário, nem se incorpora ao salário após o fim do acordo. Ou seja, não há obrigatoriedade de recolhimento de percentual do INSS, do IRPF, FGTS, nem outras verbas salariais.

Um exemplo de aplicação inteligente dessa medida e que traria vantagem a ambas as partes seria seu uso combinado com a redução salarial. Assim, o pequeno empresário, pela crise, reduz ao máximo que puder ou necessitar o salário pago, o restante o governo complementará com o BEm. Porém, também poderá complementar o salário reduzido com um valor líquido desonerado a título de ajuda compensatória.

Frequentemente, vemos o interesse e preocupação dos empresários em reduzir encargos sobre a folha de pagamentos, como tributos. Isso, certamente, ajudaria a pagar um salário líquido maior ao empregado. Com esse novo instituto temporário da ajuda compensatória, isso seria realmente possível.

A aplicação e vigência da Medida Provisória

É preciso destacar, além de tudo, que se trata de uma Medida Provisória – uma técnica legislativa muito específica. Assim, a mecânica natural de uma MP é viger até caducar (sem efeito após curto tempo) ou se tornar lei. Para que se torne lei, é necessário ser aprovada em duas sessões de votação nas Casas Legislativas (Senado e Câmara dos Deputados).

Há que se dar atenção às atualizações judiciais, pois as duas MP são alvos de Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Portanto, são discutidas atualmente no STF, o que acarreta a possibilidade de perderem a vigência antes mesmo de findo o prazo esperado.

Uma medida provisória tem a vigência total de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, portanto, no máximo 120 dias. Enquanto está vigente, produzirá seus efeitos normalmente (como lei), e as situações ocorridas nesse período têm plena legitimidade perante a Justiça do Trabalho. Por outro lado, se não for tornada lei, ao fim da vigência, as situações que autorizavam perdem a proteção legal e legitimidade. Com isso, pode haver revés em eventual processo trabalhista.

Por exemplo, empregador e empregado poderão firmar acordo individual para suspensão de dois meses, no último dia de prazo dos 120 dias de vigência, em agosto. Nessa situação, mesmo a MP decaindo no dia seguinte, esse acordo terá validade pelos próximos dois meses. Assim também, o efeito de estabilidade empregatícia do empregado, por um total de quatro meses (dois meses do acordo e dois posteriores).

Por outro lado, se esse acordo fosse feito um dia depois, ele já seria um acordo sob risco e fora da legalidade. Isso, pois na legislação padrão não encontraria a mesma autorização que na MP. Então, os efeitos jurídicos dos atos iniciados no período de vigência da MP têm plena legitimidade (mesmo que não terminem neste período), mas não podem ser iniciados fora desse período.

A origem da MP

Vale dizer, ainda, que essa MP em comento aqui, segundo o governo, é uma extensão da MP 927/2020. Esta, por sua vez, trouxe alterações aos contratos de trabalho como a autorização para o teletrabalho (ou home office).

Essa primeira MP, também, configurou uma série de medidas como: a antecipação de férias do empregado e de feriados; a concessão de férias coletivas; a utilização do banco de horas para compensar, futuramente, eventuais horas extras feitas pelo funcionário que se ausentar sem justificativa no período de pandemia; uma criticada suspensão de exigências de segurança e saúde do trabalho; e ampliação da jornada de trabalho dos empregados da Saúde.

A MP 927, ainda, permitiu ao empregador postergar o recolhimento do FGTS de março a maio sem incidência de multas e encargos. Porém, isso somente valerá para as empresas que regularizarem essa necessidade até dia 20 de junho. Sobre FGTS, vale dizer que, no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro), há recente precedente autorizando o saque integral do valor. Isso foi autorizado ao empregado sob o motivo “estado de calamidade pública”.

É importante, também consultar o teor da Lei nº 13.979/2020 e do Decreto Legislativo nº 06/2020. Esses dois diplomas legais prepararam o terreno para as duas MP aqui tratadas. A referida lei autoriza o empregado a faltar justificadamente ao labor em decorrência das medidas de isolamento, quarentena e restrição da locomoção pública. Já o Decreto foi o que definiu, no país, oficialmente o “estado de calamidade pública”; ou seja, dando margem à flexibilização de regras trabalhistas na CLT e na Constituição.

Como manusear as alterações e inovações

Ao fim e ao cabo, a conclusão é uma só: ao empregador que queira ser diligente quanto às novas regras, a melhor sugestão é sempre observar sua aplicação com parcimônia, moderação e razoabilidade, garantindo a segurança jurídica para todos. Aliás, isso tem o potencial de ocasionar um resultado positivo à atividade empresária, para que futuramente não venha a sofrer grandes ônus no seu passivo trabalhista.

Por sua vez, o empregado sempre deve ter em mente que pode aproveitar a força da negociação individual a seu favor também. Isto é, não a interpretar como uma ferramenta unilateral favorável somente ao patrão. Ao menor sinal de dúvidas ou receios, ambas as partes podem buscar auxílio jurídico. Seja este auxílio em seus respectivos sindicatos ou em uma a assessoria ou consultoria de advogados especializados na matéria.


[1] Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/04/contrato-de-trabalho-podera-ser-suspenso-por-ate-dois-meses-durante-pandemia>. Acesso em 10 de junho de 2020.

[2] Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/04/bem-beneficio-emergencial-pagamento-atrasado-parcela-salario.htm>. Acesso em 10 de junho de 2020.