Este texto sobre saúde suplementar no Brasil foi publicado anteriormente no LinkedIn de nosso sócio Leonardo Prado Ribeiro: https://www.linkedin.com/pulse/equil%C3%ADbrio-contratual-da-sa%C3%BAde-suplementar-em-leonardo-prado-ribeiro/.
Trazemos este texto tanto como uma propositura de resolução, quanto para a reflexão e prevenção. Desnecessário explicar o contexto global de pandemia causada pela COVID-19. Trataremos de um setor crucial e central em todas as questões envolvidas por tal contexto: o setor da saúde.
Muito se discute a respeito do papel do Estado, da saúde pública e da importância fundamental deste sistema para a economia. Portanto, abordaremos uma área que está sendo discutida em menor frequência, a saúde suplementar no Brasil (ou a saúde privada, caso prefiram).
O setor privado de saúde é marcado, há décadas, por disputas jurídicas entre consumidores e fornecedores, o que levou, inclusive, à criação da Lei nº 9.656 no ano de 1998. Nem mesmo a regulamentação do setor pela ANS trouxe clareza específica para os consumidores, gerando novas disputas a respeito do cláusulas ou condutas possivelmente abusivas. Isso teve um encaminhamento ainda mais rigoroso a partir do Estatuto do Idoso.
As disputas feitas em maior número – que não tratem de coberturas específicas de tratamentos, mas da relação jurídica – giram em torno do reajuste da mensalidade e do custeio. Tanto que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2016, firmou tese em Recurso Repetitivo (Recurso Especial nº 1.568.244 / RJ).
Reajuste do Plano de Saúde
O entendimento do STJ vem, desde então, pautando os reajustes feitos em planos de saúde (sendo melhor aplicável aos coletivos). Tanto para as fornecedoras do setor de saúde suplementar no Brasil, quanto para as decisões judiciais posteriores.
A importância de tal entendimento para o contexto atual é enorme. O STJ fixa tese que permite o reajuste do plano de saúde pautado no cálculo atuarial e na proporcionalidade entre os planos mais baratos (de 0 a 17 anos de idade) e os planos mais caro (com 59 anos ou mais). O custeio que baseia tal cálculo tem um efeito de mitigar os custos elevados trazidos ao fornecedor pelo grupo de maior idade (maior utilização do sistema de saúde). Distribuem-se, então, os custos aos grupos de menor idade (mas sem tornar o valor demasiadamente excessivo ao ponto de preferirem depender unicamente da saúde pública).
Há apenas um sistema de saúde
É importante a ideia de que o sistema de saúde é apenas um, é a soma do sistema público e do sistema privado. Essa ideia fica mais sólida quando se nota que o propósito da existência de um sistema de saúde é salvar vidas (e não lucrar). Isso é visto também quando se depara com atitudes de países da Europa que cogitaram estatizar (ou efetivamente estatizaram) hospitais públicos para tratar do coronavírus.
O fato de haver apenas um sistema de saúde é relevante, pois à medida que os hospitais públicos lotarem não haverá “superlotação”. Os pacientes que necessitarem de leitos hospitalares (para qualquer necessidade) serão direcionados a hospitais privados. Esse direcionamento poderá ser por negócio público-privado, seja por ordem da Administração Pública, ou por decisão judicial.
Ao mesmo tempo, caso o contágio da doença siga crescendo, os consumidores da saúde suplementar utilizarão esses serviços um excessivo número de vezes maior do que o previsto pelos fornecedores.
Além disso, o uso do hospital privado com maior número de pacientes significa, também, menor número de utensílios médicos disponíveis, quiçá maior valor por utensílio usado.
Aumento dos valores da saúde suplementar
Ora, todos esses detalhes são fatores de influência sobre o cálculo atuarial que as empresas de saúde suplementar são obrigadas a realizar para praticar reajuste aos planos e seguros de saúde. Portanto, respaldadas no direito positivo (tanto na legalidade, quanto na jurisprudência), as empresas de saúde suplementar poderiam surpreender negativamente os seus consumidores com valores imprevisivelmente excedentes. É importante lembrar que esse aumento é incompatível com os rendimentos destes consumidores (após um ano de retração ou recessão na economia global).
De outro lado, os cálculos seriam baseados em situações reais, sendo que os efeitos econômicos e hospitalares da crise não têm previsão de fim. Então, os reajustes seriam aplicados com o único intuito de manter as empresas existindo (o que gera a manutenção de um setor econômico, manutenção de empregos etc.). Portanto, a não aplicação de reajustes compatíveis aos gastos dessas empresas pode gerar uma retração específica do setor (como em muitos setores neste ano).
Assim, existem, ao menos, três soluções possíveis: reajustar o custeio da saúde suplementar aos consumidores (e perder número expressivo de consumidores); preparar a retração do setor (recuperação judicial e falência); ou ajustar o equilíbrio negocialmente antes da urgência. A busca pela melhor solução, tanto para o consumidor quanto para o fornecedor, deve passar por uma sólida análise jurídica.